LEITURA DE MUNDO, A HERANÇA DE PAULO FREIRE

Em 1981, na abertura do Congresso
Brasileiro de Leitura realizado em Campinas, SP, Paulo Freire apresentou o
texto/palestra “A importância do ato de ler”, enunciando sua preocupação com a
compreensão crítica da leitura, que deveria ir além da decodificação simples da
palavra e da linguagem escrita, buscando antecipar-se e alongar-se na inteligência
sobre o mundo. Essa busca, o educador chamou “Leitura do Mundo”.
Para Paulo Freire, a linguagem e a
realidade se prendem dinamicamente e a compreensão crítica do texto implica
percepção de relações entre texto e contexto. Em ambos os casos, respeita-se
que a compreensão e a expressividade são o elemento humano em movimento e não a
dissecação do sistema da língua ou a captura da realidade bruta, sem
inteligência... O raciocínio do educador se harmoniza com o do sociolinguísta
russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), para quem o contato entre a significação
lingüística e a realidade concreta se dá nos enunciados da vida, sendo o que
provoca os lampejos da expressividade.
No escrito de 1981, Paulo Freire
sustenta que a Leitura do Mundo é anterior à leitura da palavra, vinda para
cada um da curiosidade, da aculturação e da decifração desde a infância. Em
outro texto, 10 anos depois da palestra no Congresso de Leitura de Campinas, em
diálogo com o físico e pesquisador em educação e antropologia Márcio D´Olne Campos, Paulo Freire pontua que “alfabetização
implica reconhecer o ponto de partida da leitura de mundo, implica pensar em
que níveis a leitura de mundo está se dando ou quais são os níveis de saber que
a leitura de mundo revela”.
Dessas considerações facilmente se
depreende dois erros insistentes do sistema de ensino praticado nas escolas:
abordar a alfabetização e a linguagem pelo formalismo das estruturas
gramaticais - como se a língua fosse petrificada -, e não explorar devidamente
os elos entre o que a criança está aprendendo na escola com o que apreende do
mundo. Tal equívoco – registrou-o Paulo Freire - impede a criança de trilhar em
si mesma o caminho da ingenuidade até a rigorosidade na leitura, enriquecendo a
experiência de ler. Impede também uma aprendizagem aberta à diversidade cultural
e a diversidade expressivo-cognitiva da arte. A leitura de mundo é exercício do
sujeito crítico, artístico e cidadão. É um vasto mundo educativo partindo da
noção deixada por Paulo Freire.
Sugestões de
leitura:
- “A importância do ato de ler”, de Paulo
Freire. Cortez Editora, São Paulo, 2006.
- “Pedagogia dos sonhos possíveis”, de Paulo
Freire. Editora Unesp, São Paulo, 2001.
- “Estética da criação verbal”, de Mikhail
Bakhtin. Editora Martins Fontes, São Paulo, 1997.
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