quarta-feira, 5 de setembro de 2012


O LUGAR ESSENCIAL DA CULTURA

 
A Cultura deve reivindicar lugar junto às políticas que demandam recursos públicos  e deve deixar de fazê-lo perifericamente. Chega de nos comportarmos como se fossemos de importância menor. Cultura demarca a condição de humanidade. Antes do século XVIII, “cultura” era termo ligado ao “cultivo”; cuidado com a terra, com as crianças ou culto ao sagrado. O que não impediu que o sagrado fosse tratado como dogma intolerante pela elite religiosa e feudal, como se sabe. Nem que povos fossem escravizados sob influência do mercantilismo europeu.
Após o século XVIII, ganha ênfase Cultura como Civilização, ligada a valorização da vida civil. Mas o “grau de civilização”serviu para justificar a atitude colonizadora, hegemonista e arrogante das potências europeias. Só no Século XIX, com a critica marxista à exploração econômica do ser humano e as filosofias que passaram a valorizar as Humanidades, “Cultura” passa a ser um conceito de abrangência, envolvendo as artes, as formas do trabalho, as formas da habitação, do vestuário, da culinária, das religiões, das expressões de lazer e os diferentes sistemas de relações sociais.
A concepção plural nascente no século XIX frutificou no Século XX.  Na entrada do século XXI chegou-se a um entendimento internacional entre nações sobre a diversidade cultural, na 33ª reunião da Conferência Geral ONU para Educação, a Ciência e a Cultura, celebrada em Paris em outubro de 2005. A pactuação diz: “A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.”
Demorou para que se consolidasse internacionalmente a ideia da diversidade. E depende ainda de muito embate para que a diversidade cultural -  como acesso às formas múltiplas de ser, de expressar-se e criar artisticamente - seja direito efetivo. A formulação e implementação de políticas públicas de cultura é determinante na garantia desses direitos. Para formulá-las é necessário identificar os fatores presentes na atualidade que influenciam sobre a vida concreta das pessoas e, enquanto condição cultural, a produção da própria condição humana.  Destaco alguns desses elementos:
1- O ATROFIAMENTO DO TRABALHO CRIATIVO. Na produção industrial capitalista o trabalho humano é segmentado e o trabalhador não responde pelo conteúdo daquilo que produz, nem pela utilidade ou necessidade social da produção. A crise ecológica é a crueza dessa situação sistêmica.
2- A INDÚSTRIA CULTURAL tornou a produção simbólica e do imaginário uma das mais destacadas e importantes variações da mercadoria. A fabricação dos produtos de divertimento se tornou a principal estética da mercadoria cultural. As pessoas passam a consumidoras de cultura no tempo livre, mecanizando também esse tempo e a própria ideia de felicidade.
3- A SEPARAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E CONSUMO DE CULTURA NAS CONDIÇÕES DO MERCADO significa que a em larga escala a cultura deixa de ser terreno da expressão humana para ser produzida por especialistas e pela indústria. Tal separação levou o pensador Gui Debord (1931 —1994) a dizer que o espetáculo é a principal produção da sociedade atual.
A cultura, embora com tudo isso, não está morta como movimento de criação de sentido. Como lembrou o historiador Peter Burke, ela “envolve as pessoas imprimindo significados sociais” no correr dos tempos, num movimento sempre ativo. A massificação da indústria cultural não é capaz de interromper o dinamismo da cultura vivida, mesmo porque as pessoas assimilam, a seu modo, imagens da televisão e da publicidade, também adaptando e modificando os sistemas de significados produzidos e processados pela indústria cultural.
A política pública de cultura faz sentido como criadora/estimuladora de circuitos culturais acessíveis aos cidadãos, no sentido de que possam fruir e criar na diversidade cultural. É ativadora da expressão como interesse social, na medida em que cada pessoa traz em si vontades e inspiração para viver e criar com arte. Por fim, a Cultura é um poderoso elemento do urbanismo, atuando pela qualidade de vida nas cidades, “costurando as múltiplas culturas tendo em vista projetos comuns” (Richard Sennett), e contribuindo educativamente com o potencial que é próprio da arte.
A política de cultura não interessa apenas aos produtores culturais e artistas especializados. Interessa - por questões de saúde, de segurança, de educação, de sociabilidade, de qualificação do espaço urbano e de ampliação de referenciais de opinião e expressão - à cidadania ativa de todos.

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